Política

Martinho Campos relata maus tratos de Ustra e clama aos jovens: “não deixem a tortura voltar”


22/10/2018

O economista paraibano Martinho Campos, ex-diretor presidente da Federação Nacional de Economia, ex-presidente do Corecon/PB e ex-diretor do SEBRAE, é personagem do sofrimento a que foi submetido pelo famoso Torturador Carlos Ustra – o mesmo da ex-presidente Dilma Rousseff e exaltado pelo candidato Jair Bolsonaro. Nesta entrevista Exclusiva, ele relata as fases da tortura comandada por Ustra e apela aos jovens para não deixar a volta da Ditadura no Pais. Martinho Campos defende o voto em Fernando Haddad.

Eis a entrevista:

Revista NORDESTE – Como o sr. avalia este momento da campanha presidencial entre Bolsonaro e Haddad?

Martinho Campos – Estamos no limiar da barbárie! Trata-se de um momento da mais alta gravidade, crucial, para o desenho do futuro do país. Tanto ou mais sério ainda em certos aspectos, do que foi o descalabro do golpe Civil-Militar de 1964.

NORDESTE – Como assim?

Martinho Campos – Descortina-se com uma eventual vitória do candidato de extrema direita, o fascista Jair Bolsonaro, uma tenebrosa regressão socioeconômica e política , com profundo golpeamento de nossa jovem democracia.

NORDESTE – Como se dá o contra-ponto na prática e seus efeitos?

Martinho Campos – O candidato Professor Fernando Haddad contrapõe-se a isso não como um petista, simplesmente. Ele, por seu lado , reúne neste momento os corações e mentes daqueles que desejam melhorar as condições de vida das populações pobres, que não se conformam com a enorme desigualdade de renda, de oportunidades, além das desigualdades regionais, que defendem a soberania nacional entre outros pontos progressistas , diferentemente do que planejam para o Brasil os grupos das altas corporações mineradoras, fabricantes de armas, os ruralistas e os pseudocristãos de alguns grupos evangélicos , que estão por trás do capitão Messias Bolsonaro.

REVISTA NORDESTE – A campanha de Haddad veiculou com intensidade, até o TSE proibir a exposição de fatos, a volta da tortura à lá o torturador Ustra. Qual sua opinião?

Martinho Campos – Fernando Haddad com toda razão tem, entre outros aspectos negativos e deletérios alardeados pelo se oponente ( misoginia, racismo, de homofobia, machismo), identificado o fato da defesa da tortura apregoada por Bolsonaro. Afinal com esse tipo de defesa , este cidadão joga no lixo todas as conquistas de direitos humanos alcançadas por nossa civilização. Quando ele diz que a ditadura não tinha que torturar apenas mas matar, deixa claríssimo seu caráter fascista e altamente destruidor do sentido de construção de uma sociedade pacífica e progressista.

NORDESTE – Como o sr avalia Bolsonaro transformando o torturador Ustra em simbolo?

Martinho Campos – Ao tentar transformar Ustra em herói, Bolsonaro escancara esse vezo terrível que afirmei antes, imbuído do maior desrespeito pela dignidade humana. Quando ele prestou homenagem ao indivíduo na Câmara dos Deputados , durante a triste sessão de impeachment da presidente Dilma, ele teria que ter sido preso imediatamente e posteriormente impedido de ser candidato, por defender um tipo promotor de um crime hediondo e imprescritível.

NORDESTE – Explique para quem não sabe o que é ser perseguido pela Ditadura Militar…

Martinho Campos – Ser perseguido por uma Ditadura , como a Civil-Militar que nos hostilizou durante 21 anos , cria como que uma condição esquizofrênica na vida do cidadão. Não apenas pela iminência permanente de que possa ser preso, torturado e mesmo assassinado mas pela condição angustiante de medo, desconfiança nos relacionamentos, pela necessidade de viver na clandestinidade ou semiclandestinidade, sem esquecer as agruras relativas ao impedimento de relações familiares normais.

NORDESTE – Como se dá (ou deu) a perseguição dos aparelhos de repressão aos cidadãos comuns? O que significa perder a liberdade de ir e vir?

Martinho Campos – A perseguição ditatorial não se impõe apenas ao militante ativo ou simpatizante que luta em favor da democracia. Afeta toda a sociedade, transforma cidadãos em vis delatores . E com as torturas e ameaças buscam esquartejar as almas dos que lutam pela liberdade, pela igualdade e pela fraternidade, para lembrar dos ideais básicos da Grande Revolução Francesa, ainda hoje vigentes.

NORDESTE – O que de fato aconteceu com o Sr durante a fase da Ditadura Militar? Se possivel, relate toda a fase desde a prisão…

Martinho Campos – Fui preso duas vezes, durante a ditadura. Aos 22 anos , recém chegado na Faculdade de Economia, militante estudantil de esquerda desde o colegial. Fugi de João Pessoa, nos primeiros dias da instalação da ditadura Civil-Militar com o golpe de primeiro de abril de 1964. Fui para a cidade de Recife onde me safei da perseguição policial até novembro daquele ano , quando fui preso em Jaboatão dos Guararapes-PE.

NORDESTE – Mas o que se registrou de fato?

Martinho Campos – Em resumo, sob todas as sevícias conhecidas. Passei pelo DOPS de Pernambuco, segunda Cia de Guardas, 15 RI, Ilha de Fernando de Noronha e Casa de Detenção do Recife. Fui solto no início de 1966, e me desloquei para São Paulo. Mesmo condenado pela Auditoria Militar de Pernambuco a oito anos de cadeia, “virei” operário metalúrgico tendo trabalhado em varias fábricas da capital e do ABCD Paulista, desenvolvendo a organização sindical dos trabalhadores .

NORDESTE – O sr poderia expor detalhes dessa fase?

Martinho Campos – Em abril de 1972, fui finalmente preso novamente quando na trabalhava na fábrica da General Motors, em São Caetano do Sul. Levado já sob espancamentos e queimaduras de cigarro na viatura, fui despejado no DOI, na Rua Tutóia, em São Paulo, onde já me esperava Ustra e seu batalhão de sequazes torturadores.

NORDESTE – O Sr se refere ao torturador Ustra, simbolo de Bolsonaro?

Martinho Campos – Exatamente este torturador de nome Ustra. Foi o primeiro a me torturar. Lá, já se encontrava minha esposa, que era militante estudantil na USP, Maria do Socorro Cunha Campos , aluna do curso de letras. Sofri todos os tipos de tortura que já se conhece: choques elétricos na “cadeira do dragão”, no “pau de arara”, afogamentos, ” telefones” e muito espancamento.

NORDESTE – Como suportar tanta tortura fisica?

Martinho Campos – Não é fácil nem sei dizer. Em determinado momento, Ustra determinou que retirassem minha esposa na minha frente para que eu falasse . Deixaram- me uma “pasta”, mas não deixei que nela tocassem mais do que haviam feito antes. A minha reação quase enlouquecida com que enfrentei os malditos torturadores levou- me a ter algumas lesões físicas que ainda hoje me afetam . Fiz meu aniversário de trinta anos naquele antro. Depois levaram – me para o DOPS , a seguir levaram-me para o extinto Presídio Tiradentes e em 1973 fui levado com os demais presos políticos para o Carandiru, de onde saí no final de 1974.

NORDESTE – Uma especial parcela de jovens vota em Bolsonaro, segundo pesquisas, certamente sem saber que ele cultua o simbolo da Tortura no Brasil e a volta desse tempo para o futuro do Pais. O que o sr teria a dizer a essa gente?

Martinho Campos – Aos jovens de hoje , principalmente àqueles que neste momento seríssimo do país ainda duvidam ou mesmo não sabem de toda essa quadra horrível e vergonhosa de nossa história, que se disponham a ler, ouvir e assistir a documentários sobre o que se viveu no país durante os vinte e um anos de ditadura. Tempo em que ninguém podia dizer nada, que campeava a censura. Tempo em que a corrupção correu solta e ninguém podia denunciar, entre outras mazelas.

NORDESTE – Qual, enfim, seu recado?

Martinho Campos – Os jovens, à quem se agenda a construção do futuro do Brasil, sugiro que analisem detidamente o que hoje querem impingir ao nosso país esses neonazistas e ultraneoliberais. Na verdade, nunca vencerão! A eles interessa mesmo é a morte. O candidato Bolsonaro, afinal, só fala em armas e em matar. Queridos jovens, vocês são a minha maior preocupação, diante desse quadro, pois o que se delineia no nosso horizonte é uma forte e terrível tempestade. Vocês são a virtude e a força latejante do país. Não se deixem enganar. Jamais!

Por Walter Santos



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