Justiça

“A Lava Jato não pode sobrepor a Lei”, diz advogado ao defender o julgamento de crimes de corrupção e caixa 2 pela Justiça Eleitoral


27/03/2019

Kennedy Aguiar é advogado com atuação atuo na área cível



A polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), na última semana, determinando a condução da análise de crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, em casos relacionados a caixa dois de campanha eleitoral, pela Justiça Eleitoral, continua rendendo grandes debates e teses no meio jurídico.

 

Em artigo enviado ao Portal WSCOM, o advogado Kennedy Aguiar argumenta que a Suprema Corte acertou na decisão, pois, a maioria dos ministros apenas fez valer o que estabelece a legislação vigente. Segundo ele, os defensores da “Operação Lava Jato”, em tese a mais prejudicada com a decisão, precisam entender a decisão do STF e respeitar a Lei Eleitoral e a Constituição Federal.

 

Leia o artigo do advogado na íntegra:

O Brasil vive um momento sui generis, acredito que sem paralelo na história mundial.

 

Senão vejamos, quando membros da alta instância do poder judiciário brasileiro, ou seja, Ministros do Supremo Tribunal Federal, cumprem com seu mister, leia-se – aplicam a letra fria da lei – estes são execrados publicamente.

 

Pois, estranhamente, membros de alguns setores da sociedade, de forma leviana e proposital, criam factoides e espetacularização, no afã inclusive de quererem tolher, intimidar e/ou pressionar tais magistrados, jogando-os contra a sociedade, com insinuações maliciosas.

 

Há poucos dias atrás, a Suprema Corte, acertadamente, decidiu que a Justiça Eleitoral é o foro competente para processar e julgar crimes ligados à prática de caixa dois.

 

Neste contexto, surgem as “Aves de Mau Agouro”, que propalam aos quatro cantos do país que trata-se de manobra para acabar com ações de combate à corrupção, ou pra beneficiar este ou aquele.

 

Ora, a maioria do Supremo Tribunal Federal apenas fez valer o que estabelece a legislação vigente. Que diga-se de passagem, não foi o STF quem criou tal dispositivo legal, até porque, originariamente, trata-se de competências e atribuições do parlamento.

 

Ademais, vejamos o que dispõe o inciso II, do art. 35, do Código Eleitoral:

 

Art. 35. Compete aos juízes (ELEITORAIS);

 

(…)

 

II – processar e julgar os crimes eleitorais e os comuns que lhe forem conexos, ressalvada a competência originária do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais;

 

Logo, e de plano, constata-se que o STF, apenas cumpriu com a sua atribuição de julgar dentro do que dispõe a legislação.

 

Não é demais lembrar que o Excelentíssimo Senhor Doutor Ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro, em 19.02 último passado, protocolou no Congresso, Projeto de Lei, o qual denominou de “Lei Anticrime”.

 

O referido Projeto de Lei está dividido em 03(três) partes, quais sejam, um projeto de lei complementar que altera regras de competência da Justiça Eleitoral; um projeto de lei para criminalização do caixa 2 e um texto mais extenso com as demais propostas, como a prisão após condenações em segunda instância, medidas mais duras contra o crime organizado e a instituição do “plea bargain”, entre outros.

 

Pois bem, caso o referido PL passe no Congresso, ok.

 

Mas enquanto isso não ocorre, que aplique-se a LEGISLAÇÃO vigente.

 

Fazendo um parênteses, importante frisar ainda, que caberá ampla discussão, acerca da intenção de se mudar uma cláusula pétrea, que não pode ser alterada nem por EC, consoante estabelece o inciso IV, do § 4º, do artigo 60, da CF/88, ou seja, tal alteração apenas poderia se dar por meio de uma nova Constituinte.

 

Falamos especificamente do controverso inciso LVII, do art. 5º da Constituição Federal que assim estabelece:

 

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

 

(…)

 

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

 

Dispositivo este que guarda simetria com o art. 283 do CPP, que inclusive teve a redação do caput alterado pela Lei nº 12.403, de 2011. Vejamos o que dispõe o mencionado dispositivo legal :

 

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.

 

Mas voltando ao cerne da questão.

 

Alguns atores da festejada “Operação Lava Jato”, asseveram exaustivamente que com a decisão retro mencionada a operação e o efetivo combate à corrupção findarão.

 

Ora, caríssimos leitores, quantas vezes ao longo dos últimos 05(cinco) anos os membros da força tarefa reverberaram essa informação?

 

Não obstante os comentários e ações de alguns ao longo desse lapso temporal, a denominada “Força Tarefa” só se fortaleceu.

 

Em que pese a argumentação trazida à baila, com a máxima vênia, tal assertiva não pode prevalecer, é imperioso asseverar que entre a “Lava-Jato” e a “Lei”, que se sobreponha a “LEI”.

 

Agora, do ponto de vista técnico jurídico e com base no art. 64 do Código de Processo Civil, que trata “Da Incompetência”, o que seria o arguido por Deltan Dallagnol e cia., ou seja, que todas as decisões proferidas no âmbito da Justiça Federal e atuações da “Força Tarefa” serão modificadas, não é bem assim, todavia, é factível que existam modificações nos julgados, senão vejamos o que assevera o texto de Lei:

 

Art. 64.  A incompetência, absoluta ou relativa, será alegada como questão preliminar de contestação.

 

  • 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau de jurisdição e deve ser declarada de ofício.

 

  • 2º Após manifestação da parte contrária, o juiz decidirá imediatamente a alegação de incompetência.

 

  • 3º Caso a alegação de incompetência seja acolhida, os autos serão remetidos ao juízo competente.

 

  • 4o Salvo decisão judicial em sentido contrário, conservar-se-ão os efeitos de decisão proferida pelo juízo incompetente até que outra seja proferida, se for o caso, pelo juízo competente.

 

Logo, como se vê, realmente existe a possibilidade real de mudanças nas decisões até aqui proferidas, caso o juízo competente para julgar e processar as demandas judiciais que guardem conexão com delitos eleitorais, entendam que as referidas decisões são equivocadas.

 

Winston Churchill já deu a dica sobre a democracia, o pior sistema político já tentado pela humanidade, com exceção de todos os outros.

 

Agora, é preciso lembrar aos que defendem a Lava Jato que é preciso respeitar a LEI.

 

Reiteradamente, a força tarefa tem cedido à tentações autoritárias.

 

Não é demais repisar o que asseverava o Barão de Montesquieu:

“A injustiça que se faz a um, é uma ameaça que se faz a todos.”.

Kennedy Aguiar
Advogado


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