Esporte

Infantino garante europeus no novo Mundial de Clubes


10/04/2019

Lucas Figueiredo/CBF

Por Martín Fernandez, Jorge Luiz Rodrigues e Tino Marcos 

Globo Esporte

Desde que foi eleito presidente da Fifa, há três anos, o suíço-italiano Gianni Infantino tratou de mudar a cara do futebol mundial: ampliou a Copa do Mundo para 48 seleções (só resta saber se já em 2022 ou só em 2026) e criou um Mundial de Clubes disputado por 24 clubes a cada quatro anos a partir de 2021. Ao mesmo tempo, o futebol mundial ainda sofre com casos seguidos de preconceito, com a desigualdade entre homens e mulheres e com a crescente concentração de poder nos clubes ricos da Europa, que desafiam a autoridade da Fifa.

Em entrevista exclusiva ao GloboEsporte.com realizada na manhã desta terça-feira no Rio de Janeiro, Infantino falou sobre suas conquistas e frustrações, assegurou que os clubes europeus vão disputar o novo Mundial de Clubes e prometeu reduzir a diferença nas premiações pagas a mulheres e homens. Com bom humor durante os 30 minutos da entrevista, o dirigente citou o chinês Xi Jinping e Vladimir Putin como os políticos que mais entendem de futebol, disse que Donald Trump “está aprendendo” e que o fato de ser candidato único na próxima eleição da Fifa, em junho, é um “reconhecimento ao trabalho”. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como o sr. avalia seus três anos como presidente da Fifa?
Os outros têm que dizer o que estamos fazendo. A Fifa é hoje uma organização respeitada outra vez. Temos trabalhando muito nesses últimos três anos. Organizamos um Mundial na Rússia espetacular. Introduzimos o VAR, uma tecnologia sobre a qual se falava por anos e anos. Temos investido em futebol; nos próximos quatro anos vamos investir US$ 1,7 bilhão. E neste ano vamos ter a Copa do Mundo Feminina na França.

O que o sr. gostaria ter feito e não fez?
Não sei. É complicado. O problema é que não tenho tempo o bastante para fazer tudo o que gostaria. Decidimos também criar um novo Mundial de Clubes, com a primeira edição em 2021. Mas é verdade que necessitamos de muito mais tempo para investir mais em desenvolvimento, sobretudo fora da Europa. E isso exige muito trabalho.

O Brasil não se classificou para três dos últimos quatro mundiais sub-20. Isso preocupa a Fifa?
Não. Outros países também trabalham no desenvolvimento do futebol. […] Isso faz bem ao futebol. […] Com o talento deste país para o futebol, não creio que seja um problema. Se não der, vamos aumentar o número de times classificados para nossos torneios, para que o Brasil possa se classificar (risos).

Só agora o Brasil passou a receber o dinheiro do Fundo de Legado da Copa do Mundo. Por que demorou tanto tempo?
Todo mundo sabe. Demorou porque havia uma crise, uma situação não muito boa no Brasil [os últimos três presidentes da CBF foram acusados de diversos crimes de corrupção pela Justiça dos EUA no “Caso Fifa”]. E também pelo que aconteceu na Fifa. Então precisávamos de todas as garantias, compliance, governança. Temos trabalhado muito com a CBF e agora temos todas as garantias de que esses 100 milhões de dólares sejam investidos no futebol.

O que o sr. espera de Rogério Caboclo como presidente da CBF?
Conhecemos o Rogério. É um dirigente jovem, preparado, claro que desejamos seu êxito. Êxito para Rogério para a CBF, para o Brasil nos resultados esportivos, mas também na estrutura. E vamos ajudar em tudo o que pudermos. Porque a Fifa precisa de um Brasil forte.

Com tudo o que aconteceu nos últimos anos, o Brasil não estava forte?
O Brasil sempre está. É uma potência. Mas também vimos os [maus] resultados nos juvenis e nas últimas Copas do Mundo, que não foram excepcionais. Depois de tudo o que passou, creio que é importante virar a página. Demonstrar não apenas ao Brasil, mas a todo o mundo, o que o Brasil pode fazer.

O número de mulheres em posições importantes no futebol ainda é muito baixo. Quando isso vai aumentar?
Está aumentando. “Piano a piano” [pouco a pouco] como se diz em italiano (risos). Mas é importante dar sinais. A Fifa precisou mais que 100 anos de história para ter uma mulher como secretária-geral. Há várias federações que estão acolhendo mulheres. Creio e estou convencido que o Mundial Feminino este ano vai mudar muito a visão sobre as mulheres no futebol. E nós na Fifa estamos preparados.

Fatma Samoura, sua secretária-geral, ainda enfrenta resistência no futebol?
O mundo do futebol é um mundo muito particular. Um mundo de machos [acentua um sotaque latino]. De homens que, ao verem uma mulher, africana, muçulmana, em uma posição importante na Fifa, ainda reagem com… [e balança a cabeça]. Mas Fatma trabalha muito bem, trabalhamos todos juntos.

A Fifa paga US$ 400 milhões em prêmios na Copa do Mundo masculina e US$ 30 milhões na Copa do Mundo feminina. Mesmo feita a ressalva de que são negócios muito diferentes, a distância não é muito grande?
Sim, é verdade. No Mundial Feminino deste ano nós dobramos de US$ 15 milhões para US$ 30 milhões a premiação. E mais do que isso, há US$ 20 milhões para a preparação dos times. Por isso não são US$ 30 milhões e sim US$ 50 milhões. É suficiente? Não. Não é suficiente. Vamos trabalhar para ser mais? Claro que sim. Mas no futebol feminino há investimentos em todo o mundo. Se hoje a Fifa tiver que decidir onde investir no futebol feminino, é muito mais importante investir na base no mundo todo que aumentar em 1, 2, 3 ou 5 milhões a premiação para países onde já há futebol feminino. É mais importante desenvolver.

Nesse contexto, por que a Nations League para mulheres não avançou?
Temos falado desse projeto desde 2017, faz dois anos. Foi um pouco rápida a proposta [que foi recusada pelo Conselho da Fifa em 2018]. Mas vamos voltar a ela, com certeza, porque é importante que o futebol feminino se desenvolva. Temos que criar condições para as seleções femininas se desenvolvam e é isso que vamos fazer com a criação da Nations League.

A fuga de talentos sul-americanos para a Europa começa cada vez mais cedo. O que a Fifa pode fazer a respeito?
Isso é um problema muito sério e importante para o futuro do futebol. Nos últimos 20 a 30 anos, a Europa trabalhou para o desenvolvimento dos clubes. E nos outros países se trabalhou para que os jovens saiam e o dinheiro entre. O resultado é que hoje temos poucos clubes de nível mundial, que estão na Europa, e poucas seleções de nível mundial, que também estão na Europa, tirando Argentina, Brasil e o Uruguai. Temos que criar projetos ambiciosos de ter não somente 5 ou 10 clubes, nem 5 ou 10 seleções que possam ganhar. Mas sim 50 clubes e 50 federações nacionais que possam ser campeões do mundo. E desses 50 clubes, 20 vão estar na Europa, 30 fora da Europa. Inclusive o Brasil, claro, que tem uma grande história no futebol de clubes. Então não vejo por que não será possível que clubes brasileiros como Fluminense, Flamengo, Santos, Palmeiras, Corinthians, Vasco terem os jogadores; ou que o Neymar de amanhã não tenha que decidir se jogará no Barça ou no PSG, mas também, por que não, no Flamengo, no Fluminense, no Santos ou no Palmeiras. Temos que investir no futebol de clubes em todo o mundo.

Como o sr. vê a resistência dos clubes ricos da Europa? Publicamente eles dizem que não vão participar do Mundial.
[suspira] No final, todos vão participar. Mas o Mundial de Clubes é apenas uma resposta importante. É apenas um aspecto de um projeto muito mais importante que é desenvolver o futebol de clubes em todo o mundo. É normal que os que trabalharam bem nos últimos 20 ou 30 anos queiram seguir com a posição de privilégios que conquistaram. Mas o trabalho da Fifa, do presidente da Fifa, tem que ser tornar o futebol mundial. E os clubes europeus também vão aproveitar se o futebol for mais forte na China, no Brasil, nos EUA do que é hoje. Temos que trabalhar por isso.

O futebol continua convivendo com casos de racismo e preconceito. As punições financeiras claramente não funcionam. Como combater esse problema?
Sim, há outras maneiras. A mais importante é a educação. Temos que repetir, repetir e repetir que somos contra o racismo e a discriminação. É um problema da sociedade e um problema do futebol em vários países. A responsabilidade da Fifa, da Conmebol, da CBF, de todos os clubes e ligas é de seguir lutando. Temos que dar sinais fortes. Os árbitros têm a possibilidade de parar os jogos. Temos que apoiar quem dá esses sinais fortes. E, se tudo isso não for suficiente, sanções. Que não não podem ser só econômicas, mas esportivas.

A onda de nacionalismo em alguns lugares do mundo não está relacionado a esse problema?
Sim, claro que sim. Até porque o futebol foi construído um pouco sobre o nacionalismo, sobre o fato de torcer para o time da sua cidade. E isso está certo. O que não está certo é o insulto ao outro. É uma questão de mentalidade. Em todo o mundo há problemas de nacionalismo, de violência, de intolerância, de não respeitar as opiniões do outro. A Fifa é uma organização mundial e temos que abrir um pouco a mentalidade, sermos mais tolerantes, entendermos também que no futebol há situações em que se pode criticar um pouco a outra equipe – mas sempre com respeito.

De todos os presidentes, reis, rainhas e líderes mundiais com quem já se encontrou, qual deles entende mais de futebol?
(risos) Amanhã [hoje] vou ver o presidente do Brasil, será que ele é o mais entendido? O presidente [Donald] Trump está aprendendo pois seu filho joga futebol. O presidente da Chinna Xi Jinping é um apaixonado por futebol. O presidente Putin da Rússia depois da Copa virou um fã total de futebol. Creio que estamos em boas mãos no futebol.

Donald Trump e Gianni Infantino na Casa Branca — Foto: AFP

Donald Trump e Gianni Infantino na Casa Branca — Foto: AFP

O sr. vai encontrar o presidente Jair Bolsonaro, que é torcedor do Palmeiras. No Brasil esse assunto desperta paixões: o sr. considera o Palmeiras campeão mundial em 1951?
Já decidimos dar o título de campeão mundial a todos que ganharam a Copa [Intercontinental] entre Europa e América do Sul desde 1960. E 1951 é um pouquinho mais para trás. Vamos falar com o presidente Bolsonaro e vamos ter que solução teremos [risos]. Mas o Palmeiras pode ganhar o próximo Mundial de Clubes, por que não?

Hoje, a dois meses da decisão, qual é a chance de a Copa de 2022 ter 48 seleções?
Hoje não se pode dizer. É um projeto que estamos vendo com o Catar. Mas não é fácil organizar um Mundial de 48 times equipes com o Catar. Falamos com os [países] vizinhos do Qatar e vamos e ver. O que está 100% certo é que teremos um Mundial espetacular, seja com 32 ou 48 seleções, vamos ver.

A Copa do Mundo com 48 seleções terá 16 grupos com três seleções cada. Nesse formato, os times que conseguirem dois empates na fase de grupos estão classificados para o mata-mata. Não é um incentivo para o jogo defensivo?
Não necessariamente. Se todas as três equipes empatam seus dois jogos, então haverá alguns problemas. Sempre há perguntas, e temos que estudar tudo isso. Estamos no Brasil, eu sou italiano, e em 1982 a Itália se classificou com três empates num grupo de quatro times. Tudo pode acontecer no futebol. creio que o Mundial de com 48 times vai ser muito mais entusiasmante do que hoje, porque vai ter uma fase eliminatória maior do que hoje. Começamos com 48 times, depois 32, depois 16… o futebol é o único esporte do mundo em que tudo pode acontecer. Os grandes podem perder, os pequenos podem vencer. Pode ser 1 a 0 no último minuto.

O sr. será candidato único a presidente da Fifa. O presidente da CBF foi eleito sendo candidato único. O presidente da Conmebol foi eleito sendo candidato único. Não é melhor quando há debates de ideias, propostas diferentes?

Às vezes uma candidatura única é o reconhecimento ao trabalho. Eu fui candidato há três anos com outros quatro candidatos. Estamos trabalhando e os resultados estão aí. O importante são os projetos. Uma pessoa do futebol não tem que ser presidente só por ser o presidente. Mas para desenvolver o futebol mundial. E com o tempo vou fazer isso com projetos claros, investimentos, competições masculinas e femininas de clubes e seleções. E quando não tiver mais projetos, vão me tirar, seguramente.



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